domingo, 14 de março de 2010

O Argentino mais Baiano do Brasil - Hector Júlio Páride Bernabó - Lanus-Argentina (1911/1997

A liberdade está na possibilida
de de escolher aonde viver, de que maneira e que benefícios nos trará, para exercitar em nosso cotidiano a nossa verdadeira vocação.
Tem pessoas que nasceram só pra trabalhar e ganhar dinheiro, outras conseguem perceber de forma clara e simples que o trabalho pode ser também uma forma de lazer, pois aquilo nasce de uma forma espontânea, e o maior ganho está num nível mais alto, onde o comum não pode alcançar, nem se pode entender.
Terra da música, dança, escritores, pintores, um povo com gingado malandro, de fala mansa, ninguém imaginaria que um argentino deixaria sua terra natal, para adotar um lugar festeiro, próprio para quem vive em festa.
Você já foi a Bahia? Carybé teve seu 1° encontro com ela em 1938, numa manhã de Agosto. Estava de passagem, enviado pelo jornal argentino para o qual trabalhava.
Através do romance escrito por Jorge Amado, cresceu dentro desse artista o desejo de conhecer a Bahia... foi amor a primeira vista, e assim como um adolescente foi surpreendido por um cenário colorido, pela luminosidade, pela malemolência, pelo mar, que descobriu sua eterna fonte de inspiração. Naquele momento surgiu sem dúvida uma enorme vontade de aportar naquele estado, e ali recomeçar a orquestrar sua vida, e assim foi...

Carybé era curioso e buscava a autenticidade dos povos, seus costumes para retratar em sua arte. Aprendeu o gosto pelas viagens com o pai, ( Ênea), italiano de Toscana. Passou a infância na Itália e a adolescência no Rio de Janeiro. Era filho de mãe brasileira. E dessa época que surgiu o apelido Carybé – dos tempos de escoteiro (e nome de um peixe da região Amazônica) e que acabou adotando artisticamente, para não ser confundido com o irmão que também era Bernabó e artista.
Com a falência do jornal em que trabalhava, voltou a Argentina e lá conheceu sua companheira, Nancy, com quem teve filhos e viveu até o fim.
Em 1950 decidiu definitivamente viver o sonho que havia sonhado, aportou 1° no Rio de Janeiro, para trabalhar como ilustrador na Tribuna da Imprensa, mas largou tudo, quando conseguiu uma bolsa para fazer o que mais queria, pintar na capital Baiana.
Salvador naquela época (década de 50) tinha no máximo 300 mil habitantes, pouquíssimos automóveis, muitas carroças e bonde de 1 trilho só. Quem queria acontecer ia embora para o Rio ou São Paulo (assim como fez Jorge Amado), mas Carybé fez o caminho oposto. Instalou-se com a família numa casa pequena num bairro (Ondina) afastado, e sua estrutura na época sequer tinha iluminação elétrica. Lá conheceu o escultor Mário Cravo Jr, (com quem fez amizade fraterna), trabalharam juntos, viajando para o interior, pesquisavam artistas populares, trazendo informações, fizeram a arte contemporânea emergir nesse canto do nordeste. Um trabalho que valorizou a formação do povo, e ajudou na definição da identidade Baiana.

No começo da década de 60, depois de fazer o painel para o aeroporto John Kennedy, em Nova York (hoje transferido para o aeroporto de Miami), ganhou um bom dinheiro e comprou uma casa em Brotas (Salvador) num terreno de 2,5mil metros quadrados, e atrás da casa fez seu ateliê, onde passava os dias pintando, desenhando, esculpindo... era um artista de muitas técnicas, trabalhava em várias peças ao mesmo tempo(aliás, eu também sou assim). Quando enjoava de uma, continuava outra. E quando queria parar, saía para uma volta no mercado, no terreiro, ia plantar, pois adorava mexer com terra, e sempre que viajava trazia sementes.
Jorge Amado registrou que Carybé era um autêntico Baiano do povo:
“– plantou raízes tão profundas na terra Baiana como nenhum cidadão nascido e amamentado!”
Em suas pinturas figurativas, podemos ver o retrato vivo de um povo festeiro, cenas cotidianas, as mulatas de corpos fartos, os santos do candomblé, as festas...
Os trabalhos que mais lhe davam orgulho eram os murais, pois ficavam em lugares públicos, vistos por muitos.

Em comemoração dos 70 anos de chegada a Bahia, em 2008 o Instituto Carybé juntamente com o Instituto Verger, lançou o livro Carybé & Verger, " gente da Bahia", que reúne trabalhos do artista e do fotógrafo francês (eram bastante amigos), onde retrataram o modo de vida em Salvador. As vezes as cenas eram tão parecidas que foram unidas – pintura e fotografia – como uma única obra, dando espaço a uma exposição no Museu de Arte Moderna de Salvador, em Maio de 2009. O Instituto estuda agora uma maneira de manter essa rota como uma atracão da cidade, e prevê também a abertura do ateliê a visitação pública, pois tudo lá está como o artista deixou, quando saiu de cena(1997-enfarto): tintas, trabalhos inacabados, biblioteca, deixando cerca de 5.000 obras, entre elas: aquarelas, serigrafias, ilustrações de livros de Jorge Amado, Mário Vargas Llosa e Gabriel Garcia Marques, murais, azulejos, gradis...
Carybé recebeu convite para morar nos Estados Unidos, mas seu coração já pertencia a Bahia, uma terra cantada por Dorival Cayme, falada por Jorge Amado e pintada por suas mãos!
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